Professor está sobrecarregado com tarefas que são dos
pais, diz educador
Ana Carolina Moreno
A relação entre família, sociedade e escola é o tema da
edição deste ano da Feira Educar Educador, que começa nesta quarta-feira (16),
no Centro de Exposições Imigrantes, na Zona Sul de São Paulo. O mestre em
educação Marcos Meier vai dar a palestra que sintetiza o evento: `Família,
sociedade e escola: onde pretendemos chegar?`. Para ele, o professor tem sido
obrigado a assumir uma tarefa que é relativa aos pais na educação de crianças e
adolescentes.
Ao viajar o Brasil dando palestras para professores, o mestre
em educação Marcos Meier, que já foi ele mesmo professor de matemática no
Paraná, se deparou com uma tendência preocupante a partir dos depoimentos dos
docentes. `O professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo,
hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o
sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das
famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta disso`, afirmou.
Segundo o especialista, o acesso à informação e tecnologia
nos últimos anos tem feito com que as relações se modifiquem e os adolescentes
de hoje, vivendo em famílias cada vez mais ocupadas e passando horas excessivas
do dia com o telefone, o computador e o videogame, não desenvolva os mecanismos
de socialização necessários para o convívio pessoal.
As famílias, para Meier, não devem ser divididas em
`estruturadas` e `desestruturadas` por causa de sua formação, já que o aumento
no número de divórcios tem criado novas relações. Ele defende o enfoque na
funcionalidade da família. `Existem famílias com papai, mamãe e filhos que sãp
desfuncionais, porque os pais não dão atenção às crianças, e famílias sem o pai,
mas em que a mãe faz um trabalho maravilhoso, ou os avós e tios também ajudam`,
explicou.
A falta de tempo dos pais, também cada vez mais conectados às
tecnologias, faz com que os poucos momentos com os filhos sejam de interação,
com brincadeiras, jogos e diversão, e provoca a escassez momentos de intimidade
necessários para construir uma relação de qualidade entre eles. O resultado é
que as crianças hoje em dia chegam às escolas cada vez mais indisciplinadas,
aumentando assim a exigência dos professores para manter a autoridade.
Do que se trata o tema geral da Educar
2012?
Eu farei a palestra-tema do evento, `Família, sociedade e
escola: onde pretendemos chegar?`. A nossa sociedade hoje está sofrendo
transformações muito grandes em termos de acesso à informação e tecnologia, que
faz com que as relações se modifiquem. Os adolescentes antigamente se reuniam e
ficavam horas dançando ou batendo papo, fazendo festas de garagem. Então eles
eram obrigados a aprender a lidar com o cara chato, com o sarna, aquele que
incomoda. O adolescente tem a característica de corrigir um ao outro, pegar no
pé, isso é muito saudável para desenvolver mecanismos de socialização, a pedir
com licença, por favor, desculpa.
E qual a diferença hoje?
Com a tecnologia, ele não tem mais a oportunidade do olho no
olho, se não gostou de um cara, ele bloqueia no MSN [mensageiro instantâneo], na
sala de bate-papo. O adolescente não está mais acostumado a aceitar crítica, ele
fica frágil, não suporta as críticas. Isso faz também com que, na escola, o
professor que exija um pouco mais é mal visto. O adolescente reclama, acha ruim,
não está acostumado a receber esse tipo de cobrança do professor que pega no
pé.
Como a família influencia esse
comportamento?
A indisciplina tem aumentado bastante justamente por causa do
tempo. As crianças estão cada vez menos sob orientação de um adulto. O pai
dificilmente tem tempo para ficar com os filhos, a mãe trabalhando fora ainda
tem todas as atividades da casa. Então ela tem momentos de interação, mas não
tem momentos de intimidade. Tem aquela hora de fazer bagunça, e eles deixam
regras de lado, ninguém quer pegar no pé do filho porque são tão poucos minutos
para ficarem juntos. Então não tem qualidade essa relação. E esse estilo cada
vez mais descomprometido tem efeitos na escola também.
Que efeitos?
As crianças, que deveriam estar aprendendo a ter educação com
os pais, acabam chegando na escola totalmente indisciplinadas, batendo e
xingando em vez de conversarem. O professor, que antigamente tinha tempo para
ensinar o currículo, hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do
aluno, fazendo-o sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da
educação básica das famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta
disso. De uma aula de 40 ou 50 minutos que poderia estar sendo muito bem
aproveitada com conteúdo, 20 minutos com certeza estão sendo jogados no lixo.
Isso vai irritando tanto o professor, que depois não tem paciência na hora de
explicar o assunto. Ele está sendo exigido além da conta, o professor foi
preparado para ensinar currículos escolares, não para dar a educação que a
família antigamente ensinava.
A falta de interesse dos alunos na escola também não
têm a ver com o abismo de gerações, já que os professores são muito menos
adeptos das novas tecnologias?
É bom que professores aprendam a usar as novas tecnologias,
mas temos um mito que é o seguinte: a gente acha que o aluno que usa computador
e internet está aprendendo mais, mas quando passa um trabalho ou pesquisa para
ele, o aluno não sabe filtrar informação na internet, o que aparecer no google
eles colocam no trabalho deles. Não viram se era pegadinha, se o site tem
autoridade. Eles acham que fizeram a pesquisa por colocar informações numa
página, às vezes nem leram com atenção.
Esse é um problema generalizado?
Tem o outro lado, temos sim escolas com nível de educação de
primeiro mundo, temos pesquisas na área da educação, da relação professor-aluno,
suficientes para poder dar palestra a professores da Europa sobre como dar aula.
O problema é que esse conhecimento que as boas escolas têm não chega a todas as
escolas. Enquanto algumas escolas do Sul estão discutindo se usam lousa digital
de uma ou outra marca, outras estão emendando quadro negro com cartolina porque
ele está rachado.
Absorver a tecnologia é inevitável para a
escola?
Tem escola hoje que proíbe que professores tenham Facebook
porque alunos falam mal do professor e da escola lá. Por outro lado, tem escola
incentivando que o professor tenha Facebook, que coloque os alunos como amigos
para trocar informações e tirar dúvidas. Você pode usar a tecnologia a favor da
aprendizagem ou vê-la como uma ameaça à escola. Mas esse tipo de visão
retrógrada vai ter que desaparecer.
O que falta para isso acontecer?
Hoje temos uma problema que é a falta de softwares de
qualidade para a escola. Tem software que o aluno dá um clique, vira uma página,
dá outro clique, vira outra página. Aquilo nada mais é do que um livro em
formato digital, mas o grau de interatividade é zero. Tem que tomar muito
cuidado ao levar o aluno para o laboratório de informática. Às vezes é perder
tempo com o computador, é melhor pegar um professor apaixonado por aquilo que
ensina do que usar um software com baixo grau de interatividade. Isso em
psicologia a gente chama de postura passivo-aceitante, é como a criança na
frente da televisão, só recebe informação. Tem muito professor que coloca o
aluno nessa postura, e também tem muito software que segue o mesmo caminho. A
chave é a interação do aluno com o conhecimento. Pode ser no computador, sozinho
ou com o professor em sala de aula. Desde que haja espaço para interagir com o conhecimento, é isso que precisa
acontecer para o aluno aprender.