segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Matéria publicada na Folha de São Paulo de, 18 de janeiro de 2011.

CÓDIGOS DE CONVIVÊNCIA



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A interação com o mundo é governada por códigos implícitos e explícitos, ensinados em casa e na escola


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AS FÉRIAS escolares vão chegando ao fim. Fevereiro vem com as inevitáveis e repetitivas questões dos alunos: com que professora vou cair? Em que classe vou parar? Vou ficar com os colegas de que gosto?

O importante de todas essas dúvidas é que elas acenam para o fato de a criança conhecer a escola que a espera. (A não ser que ela esteja mudando de escola.) A volta à escola não é apenas um retorno a uma certa rotina. É também ganhar de volta a vida entre os pares: alunos, mestres e diretores.

Escola é um espaço restrito dentro de um grande espaço público que é a sociedade.

Não é só a família e sua estrutura hierárquica que comandam fazeres e poderes.

Junto com a escola, aparece o poder do Estado, que parece mandar em todos e a quem todos obedecem. Eis aí um primeiro contato com a força virtual que tem representantes ao nosso lado, mas não tem forma.

É na escola que se formalizam as ligações com a nação, com a língua, onde se aprende a distinguir entre todas as coisas que libertam, garantem e limitam.

Por exemplo: a criança pode dizer "você", "senhora" , "tia" -mas quando deve usar tal e tal chamamento? São milhares de pequenos detalhes, códigos implícitos ou explícitos que governam a interação com o mundo.

O uso da percepção é vital para acertar o bem viver no mundo. O código da escola é diferente do código de casa/ família que é diferente dos códigos que governam outros locais públicos.


Fevereiro é o tempo de voltar das férias, dos resorts, dos acampamentos, de todos os espaços públicos aos quais o aluno não tem acesso no tempo de aula.

A casa onde se vive com a família é diferente de lugares públicos. Nela não se troca usando dinheiro como intermediário. Mesmo na cantina da escola, ou no pipoqueiro, o dinheiro ou o fiado é sempre presente.

Na escola, a existência é autônoma, mas com origem familiar. Na escola, o aluno é nome, sobrenome, endereço.

É um " eu" público -marca registrada que vai permitir uma cidadania, fazer parte de um todo, sem que, por isso, ele se sinta aniquilado.

É possível aguentar o silêncio e escolher a opinião pública à qual se quer aderir. Sobressair-se do impessoal, processo cujo primeiro passo é dado na escola, muitas vezes é insensato, porém necessário. É cauteloso perceber sempre (voltamos à importância da percepção) os códigos de conduta de cada grupo, universo social, especialmente aqueles que não são explicitados.

Cabe à escola e à família, nos primeiros anos de vida, ensinar mais do que códigos: ensinar a perceber códigos.

Para a criança que ainda não formou o seu "eu", é difícil perceber qual o comportamento adequado num lugar público que não conhece.

Para a criança, o anonimato é doloroso. Por isso é tão importante para ela escutar sua própria voz. Daí a algazarra comum das crianças nos lugares públicos.



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ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

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