Matéria publicada na Folha de São Paulo, 17
de abril de 2012.
Filho pra
quê?
Rosely Sayão
Até delivery para atender desejos de grávida chega à
porta de quem quer ter filho sem ter trabalho
ÀS VEZES, dá para lamentar as coisas
bizarras que acontecem no mundo contemporâneo e o modo como as pessoas embarcam
nelas quase que mecanicamente, sem nenhuma avaliação crítica. Mas, de vez em
quando, o lamento só vem após boas gargalhadas. Que, aliás, fazem um bem danado
em meio a tanta correria e insanidades.
Será que você já descobriu, caro leitor, a
existência de um tipo de serviço especialíssimo para casais grávidos? Eu conheci
esse serviço por indicação de pessoas que ficaram abismadas com a existência
dele. E, claro, se há oferta é porque há mercado, não é verdade?
Então vamos começar a história bem pelo início.
Uma pessoa antenada com o mundo contemporâneo consome um sonho realizável: o de
fazer uma família e de ter filhos.
Há coisa mais sedutora do que a ideia de uma
família feliz? Não há, tanto que os adesivos "felizes" se proliferam nas
traseiras dos carros, como já comentei aqui. Mas não é com imagens ideais que se
constrói uma família e que se cria filhos, não é verdade?
A realidade é bem diferente: desde a fase do
encontro amoroso, passando pelo casamento e pela gravidez, tudo dá um trabalho
danado. E o que dizer, então, da lida com as crianças depois que elas nascem?
Relacionar-se amorosamente está difícil, casar
está caro porque todo mundo quer um casamento pomposo, o período da gravidez não
é apenas essa maravilha que pintam, tem seus percalços...
Superados todos esses obstáculos para a
realização do sonho, chegamos finalmente ao ponto da gravidez. A mulher -ou o
casal- precisa pensar em tanta coisa... São médicos e consultas, exames
laboratoriais, alimentação balanceada, exercícios físicos adequados etc. E tudo
isso é só para buscar a saúde física da gestante e do bebê.
Há muito mais a ser providenciado: vestuário
para a mulher e para o bebê, maternidade, acessórios necessários, adequação da
casa para a chegada de uma criança etc. etc. etc. Ah! Há também o registro das
imagens de todo o desenvolvimento da gravidez, do nascimento, da chegada do bebê
em casa. E os eventos que costumam acontecer precisam ser planejados, afinal.
Agora os casais que podem -e isso significa ter
posses para tanto- não precisam de mais nada: apenas da contratação desse
serviço de planejamento e acompanhamento da gravidez e do nascimento do filho.
Pronto: um telefonema e tudo se resolve como num passe de mágica.
Até mesmo, caro leitor, aquele desejo de uma
fruta no meio da madrugada que a mulher manifesta caprichosa e desesperadamente
se resolve só com um telefonema.
Isso significa que todos podem dormir
tranquilos porque o sonho de ter um filho não mais dará trabalho algum. Não
exigirá mais, para os casais que contratarem tal serviço, compromisso,
disponibilidade, tomada de decisões, tempo, dedicação. Só exigirá mesmo
dinheiro.
Sair de madrugada para comprar um medicamento
ou procurar uma fruta? Esqueça. O serviço funciona 24 horas. O gesto amoroso de
o marido sair em busca de algo para acalmar sua mulher grávida será substituído
por um simples telefonema.
Ainda não consegui sair da fase das gargalhadas
ao imaginar a cena do delivery de desejos de grávidas... Mas sei que vai durar
pouco, por isso vou aproveitar e sugerir, caro leitor, que você faça a mesma
coisa: ria.
É que será inevitável logo mais chegarmos
ao ponto de ter de encarar a pergunta: "Por que mesmo as pessoas querem ter
filhos?".
ROSELY SAYÃO é psicóloga
e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)